E no nosso país também, por extensão. O mundo está repleto de bondade. Talvez seja difícil perceber isso, imersos que estamos nesse clima de programa policialesco vespertino. Mas as pessoas boas estão aí, por toda parte, do seu lado, e talvez você nem perceba.
As inúmeras formas de bondade; apresentadas como generosidade, caridade, humildade e outras tantas; certamente superam em número as ações de pessoas mal intencionadas ou pouco esclarecidas que parecem predominar no noticiário. É fácil falar do mal, é fácil vender o mal. O mal alimenta o medo, que por sua vez gira um sem número de engrenagens extremamente lucrativas.
* * *
Hoje o motorista da van que me leva para o trabalho passou direto pela minha casa. Eram 5:15 da manhã, o sol não havia nascido e o medo – olha ele aí – me inibiu a esperar na calçada, do lado de fora das grades do meu condomínio. A van reduziu a velocidade, mas não parou, e diante da minha aparente ausência o motorista seguiu viagem, perseguido a pé por mim.
Evidentemente eu não a alcancei. Esbaforido, correndo com dificuldade por conta dos sapatos de segurança com biqueira de aço e sem nenhum tipo de amortecimento, eu apenas conseguia berrar “ei!” freneticamente. Inconsciente dos meus apelos, o motorista seguia.
Um casal sobre uma moto passou ao meu lado e supliquei que eles tentassem interceptar a van e avisar que – sim! – eu estava lá. Eles tentaram, mas minha condução seguia longe e cada vez mais rápido até desaparecer em uma esquina. Mais algumas dezenas de metros correndo e eu cheguei no cruzamento. O casal havia parado, a moça da garupa desmontado e o rapaz disse:
– É da sua empresa? É pra você ir pro trabalho? Você quer subir? Eu te levo e a gente alcança ela.
Aceitei sem pensar muito. Montei na garupa e perseguimos a van por três quarteirões, finalmente a interceptamos. Eu balbuciei algum agradecimento ininteligível finalizado por um efusivo “que Deus te abençoe” e embarquei.
O fato é que um casal de completos desconhecidos, cruzando com um homem berrando em uma rua escura de madrugada, se ofereceu para ajudá-lo a despeito dos riscos – ela por ficar sozinha esperando na esquina e ele por ter um estranho na sua garupa.
É algo pequeno, e de certa forma bobo, mas isso foi o que salvou um dia que começou de maneira péssima para mim. Algo assim não é pauta de notícia, mas acontece todos os dias, em tantos lugares, com tanta frequência, a despeito de nosso desconhecimento, mas sobrepuja as tantas tragédias que nos acostumamos a ouvir – e narrar – todos os dias.
Somos reféns de uma armadilha mental chamada viés de confirmação. É aquele mecanismo estranho que nos faz ver apenas aquilo que nos interessa, ou aquilo em que acreditamos. Sabe quando você comprou uma roupa legal e de repente parece que tem centenas de pessoas usando a mesma roupa que você? Pois é, viés de confirmação. Elas estavam lá, mas você não via. Se o mal nos amedronta e ocupa grande parte do nosso pensamento, nós o enxergaremos com muito mais frequência.
Ao casal, que muito provavelmente jamais lerá este texto, meu mais sincero “obrigado”, não apenas por salvar meu dia, mas por me lembrar da presença ubíqua da bondade neste mundo e com isso ter desembaçado minha luneta da visão do bem.